quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Esquerda "versus" Direita



Porque o prometido é devido, desenvolvo o “P.S.” deixado no blogue “Casa da Democracia: Qual?”
Faz sentido a velha divisão política entre esquerda e direita?
Defendo que não. Mas com despeito de toda a evolução conhecida pela humanidade em termos de políticas económicas e práticas “democráticas”, desde que estes dois conceitos – e a realidade que eles exprimem – foram criados no contexto da Revolução francesa, o facto inquestionável é que essa divisão ainda persiste (com consequências negativas, entendo).
De certa forma, ela ainda se aprofunda em alguns países. Não em todos, certamente, mas em vários de tradição social e sindical, os conceitos e os alinhamentos políticos dela derivados ainda encontram forte presença nos diversos cenários políticos, em especial na nossa Europa e na América Latina. Nos Estados Unidos e em certos países asiáticos, as realidades políticas parecem bem mais matizadas, tornando virtualmente impossível a classificação dos grupos segunda a divisão clássica esquerda “versus” direita. Em relação aos EUA, observadores estrangeiros acreditam que os democratas estariam mais à esquerda – em função, provavelmente de sua maior vinculação com os meios sindicais e com as políticas ditas de acção afirmativa – e os republicanos – identificados com o “grande capital” – seriam os representantes da “direita”, mas isso não faz o menor sentido para quem conhece a realidade social e política daquele país. Na Ásia e no continente Africano é aquilo que sabemos…
Resta a Europa e a América Latina onde grupos partidários, escolas de pensamento económico e actores sociais continuam a situar-se num espectro político que vai da extrema-esquerda à extrema-direita, mais na Europa do que na América Latina. Nesta ultima poucos querem ser, parece-me, de extrema-direita (veja-se a Teologia da Libertação). Aqui na velha Europa, os liberais pró mercado, com alguma contradição, reconhecem a importância do Estado sobretudo no que diz respeito às “desigualdades sociais”. Aqui parece estar, precisamente, a raiz da divisão histórica, ou clássica, que parece justificar a existência desses dois agrupamentos genéricos (dentro dos quais se encontram diversas “seitas”): A esquerda reivindica para si mesma, uma identificação com a resolução de determinados problemas sociais via fortíssima actuação do Estado e políticas indutoras de transformação; Ao contrário, os “liberais” ou direitistas, confiariam mais nas forças de mercado para que essa correcção se faça.
Na prática, A ESQUERDA SÓ É SOCIALISTA DA BOCA PARA FORA, como rótulo cómodo, ou ainda para retomar uma velha tradição de lutas sociais que supostamente está identificada com o combate às mazelas da época “gloriosa” do capitalismo, quando a burguesia triunfante tratava o proletariado como modernos escravos das galés, e ostentava a sua riqueza fumando charutos sobre um saco de dinheiro (esta é, pelo menos, a imagem clássica do capitalista sem alma).
O que a esquerda consegue ser de facto, é estatizante, por acreditar que o Estado é um instrumento útil e mesmo necessário para a correcção dessas mazelas sociais criadas pelo capitalismo, a começar pela desigualdade distributiva e pela existência de “desequilíbrios de mercado”, que importa corrigir pela “mão lúcida” do estado. Trata-se aqui do principal divisor de águas entre a esquerda e a direita, uma vez que esta última é mais propensa a acreditar nas soluções de mercado, como o meio mais justo, e inerentemente mais racional e eficiente, para redistribuir ganhos derivados do esforço individual.
Sim, aqui aparece outra característica distintiva: a esquerda é colectivista ou “social”, enquanto a direita prefere as liberdades individuais e a liberdade de iniciativa, com retenção de ganhos para o detentor dos “meios de produção”, ao passo que a esquerda privilegia a redistribuição da “riqueza social”.
Estes são, creio, os elementos centrais da tradicional divisão entre esquerda e direita. Como vivemos em regimes de escassez e de fortes desigualdades distributivas, que a esquerda atribui às estruturas inerentemente injustas da sociedade capitalista, e que a direita apenas credita a mecanismos de mercado, essa divisão promete continuar no futuro previsível, sem que alguma conciliação seja possível entre linhas tão díspares de concepção do mundo e da sociedade.
Agora, tudo o que escrevi é meramente conceptual. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Neste início do século XXI, os cidadãos afastam-se cada vez mais deste espectro, entre outras razões, porque não se identificam com ele.
Primeiro, a politica seguida pelos governantes não é carne nem é peixe. Por favor, não me venham dizer que o Sócrates e a sua corja são Socialistas!... Ou que é normal um estado injectar capital na economia privada para evitar (o agravamento) crises económicas!... Ou que é normal, tendo em conta o que escrevi, o sistema Chinês!...
Depois, quem pensa e não se identifica com estas governações e respectivas politicas, partilha, muito frequentemente, de valores que vão desde a extrema-esquerda à extrema-direita. E isto sim, é um facto que vai de encontro aquilo que penso, isto é, os conceitos esquerda e direita estão obsoletos, a não ser para quem governa. Está-se a criar um fosso abismal cada vez mais acentuado entre governantes e população.
Comecemos seriamente a pensar noutros, tipo…Norte e Sul ou …Cima e Baixo!

Bibliografia:
Roberto de Almeida, Paulo, “Revista Espaço Académico – N.º 59”, S. Paulo, Abril de 2006

Sem comentários: